20 de março de 2014

Chumbo da coadoção



Era para ter escrito este texto a semana passada, no próprio dia em que a coisa se deu e cheguei a escrever um texto irritadíssimo, a apelar à revolta, a foices, a tendas frente à assembleia da república, coisas assim. Mas depois o computador encravou, houve um problema na net e quando estava prestes a publicar perdi tudo o que tinha escrito. Portanto agora cá vai a minha opinião sobre o assunto, um post mais "normal" e menos a soar a manifestação LGBT.

Eu, Sexta-Feira passada
Muita gente faz baralha-se com o conceito de coadoção, portanto vou exemplificar o que acontecia se a lei da coadoção não tivesse sido chumbada:

Exemplo 1:
Imaginemos um casal de senhoras, casadas, tudo direitinho. Uma delas já tem um filho, de uma relação anterior com um homem, que mantém ma relação distante/ausente com a criança. Para a criança, é como se tivesse duas mães. Essa senhora morre num acidente de viação. O que aconteceria? A guarda da criança iria para o pai/avós/outro familiar. Direitos da esposa da falecida sobre a criança? Nenhuns. A não ser que o responsável da criança o permitisse, podiam até nunca mais se ver. 

Exemplo 2:
Imaginemos um casal de duas senhoras, casadas, tudo direitinho. Querem muito ter um filho, mas não podem adotar porque adoção em Portugal é ilegal para homossexuais. Vão então a Espanha e fazem inseminação artificial. A criança, legalmente falando, é apenas filha da que fez a inseminação, mas na prática, para a criança, as duas são as suas mamãs. Nisto a mãe legal morre num acidente de aviação. O que aconteceria? Com a lei da coadoção, a criança ficaria com a sua outra mãe. 

por acaso dei exemplos com duas mulheres, mas podiam ser dois homens - em vez de inseminação artificial podia ser então uma adoção singular, por ex.. 

O seja, a lei só permitia a coadoção se o parceiro tivesse mais de 25 anos e o pai da criança tivesse morrido ou abdicado dos direitos legais sobre a criança (ou seja, se já não fose pai dela legalmente falando) Se a criança tivesse mais de 12 anos, teria ainda esta de dar o seu consentimento. 

Como vêm, era um direito que nem chegava a ser direito. Era um direitinho. Um micro-nano-direitinho. Muito específico, com condições muito específicas. Era um direito ridículo, mas era um direito.

E agora nem isso. Fim. 


A coisa irrita-me por várias razões: em primeiro lugar porque vai contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Eu não sei do cor os 30 artigos, mas nem é preciso ler muito porque está logo no 1º artigo: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Também se tiverem paciência podem passar para o 2º artigo, que diz: "Todos os seres humanos podem evocar os direitos da presente Declaração, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra". Se tiverem mais paciência ainda, podem ir ao 7º artigo, que diz "Todos são iguais perante a lei". Só assim à primeira vista, o chumbo da coadoção está a violar três dos trinta artigos. Parabéns Portugal.


Em segundo lugar, porque me parece-me muito pouco ético (e só não digo anticonstitucional porque de facto não percebi ainda muito bem o que é constitucional ou não...) que se aprove uma coisa, não se goste do resultado, se diga "Ok, esta não valeu! Vamos fazer outra vez" e se altere o resultado. Isto parece-me terrivelmente errado. 


Outra coisa que me irrita são os argumentos utilizados. Adoro. Principalmente o da criança traumatizada: "Uma criança precisa de modelos masculinos", "A criança vai ficar confusa", "A criança depois também vai ser homossexual" (cruz credo, deusnoslivredetalsorte! Ainda que seja melhor que ser drogado...) e outros do género. Um dia destes volto a pegar neste assunto outra vez, mas entretanto se se quiserem ir entretendo podem ir lendo isto, retirado diretamente do site da Ordem dos Psicólogos, gratuito e disponível para quem quiser ler argumentos com uma base científica. Experimentem. Vai ser uma novidade refrescante. 

Pobre criança traumatizada
Olha mais outra, coitadinha.
E por último, aquele me deixa fora de mim mas que também é mais pessoal, é quando me dizem "Então mais tu és lésbica? Se não és, o que te importa isto a ti afinal?!". Não querendo entrar em comparações infelizes, não é preciso ser maltratada para ser contra a violência doméstica, ou ser violada para ser contra o abuso sexual nem ser mutilada para ser contra a mutilação genital. Nisto, a Carla do blogue Kapput 2.0 já fez um post muito bom, em que disse tudo: "Quando se fala do direito dos homssexuais, estão a falar também dos meus direitos. Porque sou um ser humano, antes de um ser heterossexual, ou outro tipo sexual que possa caber numa gaveta".


Por isso, ainda não sei se guarde as foices e as tendas.
Ainda estou à procura de uma alternativa melhor.
Ideias?


Tipo... dahhh

5 comentários:

  1. Concordo com cada palavra.
    Assino por baixo ;)
    E é um assunto que remexe mesmo com o meus estômago. A frase diz tudo: melhor ter dois pais que nenhum.

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    1. :) Obrigada Jelly! Se precisar de gente para me acompanhar com as foices, já sei que posso recorrer a ti também :P

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  2. Adoro cada frase que escreveste, estou absolutamente de acordo contigo e disponível para armar barraca onde for necessário ♥ :D

    Beijinhos!

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    1. Iei, mais uma! Já somos um grupo jeitoso ;) Beijinhos*

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  3. O que é chato é qu este parece tanto ser um assunto da idade média, que às tantas, nem sequer sabemos por onde pegar. A sério, minha gente, AINDA estamos nessa? Não ha paciência : venham, então, as foices ! ;)

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